COMENTÁRIOS À RESOLUÇÃO CFM Nº 2.227/2018 SOBRE A TELEMEDICINA

COMENTÁRIOS À RESOLUÇÃO CFM Nº 2.227/2018 SOBRE A TELEMEDICINA

A Resolução CFM nº 2.227/2018, que trata da telemedicina, tem dado o que falar. Parte da classe médica parece não concordar com os termos trazidos pelo referido documento, outra parte se mostra receptiva ao modelo de teleatendimento.

Não sou médico, sou advogado, mas dedico o meu ofício para o Direito Médico e para a Bioética. Portanto, hoje farei uma análise jurídica e ética da Resolução, em que, por meio de um olhar imparcial, procurarei elencar os pontos sensíveis do documento, com vistas ao bom funcionamento da telemedicina no país.

A telemedicina é um mecanismo que pode agregar valor para a saúde, em especial para regiões geograficamente remotas do Brasil, não há como negar.

No mundo, a telemedicina tem se mostrado positiva, com dados bem definidos e um funcionamento adequado. Um dos exemplos da telemedicina no Brasil está no Rio Grande do Sul, onde existe a plataforma TelesaúdeRS, que é um núcleo de telesaúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É um modelo positivo de telemedicina, contando com um detalhado conjunto de protocolos e recomendações para o seu funcionamento.

Ao analisar a Resolução, que possui 23 artigos em seu bojo, pude notar que ela traz subdivisões na telemedicina. Sendo elas, a teleconsulta, a teleinterconsulta, o telediagnóstico,  a telecirurgia, a teletriagem, o telemonitoramento e a teleconsultoria. Tais subdivisões revelam a complexidade em que se insere a telemedicina, dando fortes indícios de que a aplicação teórica necessita de um rígido acompanhamento, pois, afinal, estamos tratando de vidas humanas.

 A teleconsulta é a consulta médica remota, mediada por tecnologias, com médico e paciente localizados em diferentes espaços geográficos. 

 A teleinterconsulta é a troca de informações e opiniões entre médicos, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico.

 O telediagnóstico é o ato médico a distância, geográfica e/ou temporal, com a transmissão de gráficos, imagens e dados para emissão de laudo ou parecer por médico com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) na área relacionada ao procedimento. 

 A telecirurgia é a realização de procedimento cirúrgico remoto, mediado por tecnologias interativas seguras, com médico executor e equipamento robótico em espaços físicos distintos.

 A teletriagem médica é o ato realizado por um médico com avaliação dos sintomas, a distância, para definição e direcionamento do paciente ao tipo adequado de assistência que necessita ou a um especialista.

 O telemonitoramento é o ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigilância a distância de parâmetros de saúde e/ou doença, por meio de aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos e/ou dispositivos agregados ou implantáveis nos pacientes em regime de internação clínica ou domiciliar, em comunidade terapêutica, em instituição de longa permanência de idosos ou no translado de paciente até sua chegada ao estabelecimento de saúde.

 A teleconsultoria é o ato de consultoria mediada por tecnologias entre médicos e gestores, profissionais e trabalhadores da área da saúde, com a finalidade de esclarecer dúvidas sobre procedimentos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho.

De maneira geral, achei a Resolução bem redigida, com atenção para vários pontos importantes, sendo, na maioria das vezes, autoexplicativa. Por outro lado, como qualquer ato normativo, é passível de emendas e adaptações.

Bem, começarei pelos pontos positivos que a Resolução pode agregar ao exercício da medicina no Brasil. 

Primeiramente, posso citar o reforço para o atendimento médico especializado em regiões deficitárias do país. Outra vantagem é o aumento da qualidade no ensino médico, pois possibilita maior intercomunicação e estudo de casos entre médicos. Mais um ponto positivo é o diagnóstico de precisão, em especial para a população das regiões remotas.

Bioéticamente falando, os pontos citados acima se mostram bastante positivos, poderia citar outros, mas, para não me alongar, quero agora adentrar nos pontos frágeis da Resolução. Em especial, pois o CFM abriu consulta pública para estudar melhorias para a Resolução.

O primeiro trecho que percebi deficitário na Resolução, é o ponto que diz ser premissa obrigatória o prévio estabelecimento de uma relação presencial entre médico e paciente, exceto para os casos de áreas geograficamente remotas.

Como estudioso da bioética clínica e da pesquisa, entendo ser temerário destinar um acanhado espaço na Resolução para um ponto tão importante. A relação estabelecida entre o médico e o seu paciente é basilar, tanto para a segurança do paciente, quanto para a do médico. 

Não vejo no documento mecanismos, ou indicação para a criação de mecanismos, para garantir uma saudável relação médico/paciente, a qual já é difícil de se estabelecer com o atendimento presencial. Por isso, não creio ser prudente não dar destaque para essa importante premissa.

Seguindo, existe na Resolução a proposta da teletriagem, mas não vejo muita profundidade ao discorrer sobre o assunto. Como se certificar que a teletriagem terá o cuidado de não encaminhar casos clínicos não recomendáveis para o atendimento à distância? Juridicamente, não acho de bom tom o atendimento de alguns casos nessa modelagem. 

Complementarmente, também gostaria de ter visto a Resolução mencionar que serão criados protocolos rígidos de regulação, por exemplo, com critérios de enca­minhamento e priorização das solicitações de procedimentos am­bulatoriais eletivos (consultas e exames), para todas as especia­lidades e subespecialidades.

Acredito que uma resolução complementar poderia cuidar de melhor explicar o funcionamento da teletriagem, e qual o seu papel frente situações em que não se aconselha o encaminhamento para o teleatendimento.

Outro ponto relevante, é que a telemedicina demanda maior cuidado para evitar erros. A Resolução não traz recomendações sobre a necessidade de haver núcleos de revisão dos casos. Digo isso, pois no próprio atendimento presencial existe a ocorrência de resultados não desejados, portanto, a teleconsulta está mais propícia a essas ocorrências. 

Obviamente que a Resolução traz a hipótese de teleinterconsulta e da teleconsultoria, que permitiria uma discussão mais aprofundada entre médicos e demais envolvidos, sendo uma espécie de núcleo de revisão, porém, ainda me parece superficial tratar dessa forma.

A telemedicina é uma realidade inexorável, não tenha dúvidas disso. Cabe aos seus operadores aplicá-la da maneira correta, não ferindo o Código de Ética Médica e o direito dos pacientes. Ter critérios, recomendações, outras resoluções complementares e aprofundar o seu funcionamento é fator crucial para o seu sucesso no Brasil.

Se você também tem outras recomendações, comente.

Leonardo Batistella – Advogado, especialista em Direito Médico e mestrando em Bioética.

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